Publicado 1 mar 2022
Requisitos para utilização de provas digitais no processo do trabalho: o caso dos “prints” de WhatsApp
Prints
WhatsApp
mão segurando celular

O acesso a dispositivos conectáveis à internet tem crescido exponencialmente. No Brasil, por exemplo, a população no ano de 2016 era de 206 milhões de habitantes e os dispositivos conectáveis à internet somavam 244 milhões. Cinco anos depois, já em de 2021, a população teve um tímido crescimento para 213 milhões de habitantes, enquanto o número de dispositivos conectáveis à rede mundial de computadores teve um aumento exponencial para 424 milhões, conforme dados extraídos da 32ª pesquisa anual do uso de TI da FGVcia e do IBGE, graficamente representados a seguir. Os mesmos dados são corroborados pela organização “datareportal.com”. Este fenômeno de capilaridade tecnológica é chamado de computação ubíqua ou pervasiva.

A quantidade de dados e informações que as pessoas despejam por dia em redes sociais é significativa. Apenas para se ter uma ideia, a cada segundo são postados no mundo: 9.281 (nove mil duzentos e oitenta e um) tweets; 1.074 fotos no aplicativo Instagram; 1.100.000 (um milhão e cem mil) mensagens no WhatsApp; e, 54.977 (cinquenta e quatro mil, novecentos e setenta e sete) postagens no Facebook.

O alto fluxo de dados, propiciado pela enorme quantidade de dispositivos conectáveis, desafia as seculares e tradicionais normas que compõe o ordenamento jurídico, inclusive no que tange às regras processuais. Quanto maior o número de dispositivos conectáveis à internet e quanto mais avança a tecnologia, mais serão as possibilidades de extração de elementos probatórios do meio digital.

É cada vez mais comum, por exemplo, a juntada em processos judiciais de prints de conversas ou, até mesmo, a juntada de outros elementos extraídos do meio digital, tais como códigos de programação e outros. Ocorre que muitas vezes as partes acostam tais provas aos autos sem maiores cuidados e com inobservância das normas técnicas pertinentes, o que poderá invalidar a prova e dar azo à impugnação pela outra parte.

Não se pode negar a quantidade de dados produzidos digitalmente, inclusive nas relações de emprego. São exemplos de fatos digitais as inúmeras conversas trocadas pelo aplicativo whatsapp, a constante troca de e-mails, os dados de geolocalização, dados de conexão etc.

Conceitualmente, entende-se por meio de prova digital todo elemento extraído de fontes digitais, vocacionado à demonstração da ocorrência ou não de determinado fato, tenha este ocorrido ou não em ambiente virtual. Em outras palavras, é o meio de prova que foi colhido ou extraído em fonte digital, com o uso de tecnologias digitais. Desse modo, se o “digital” serviu como instrumento de demonstração de determinado fato e de seu conteúdo, está-se diante de um meio de prova digital.

O artigo 4º do PL n.º 4.939 de 2020, que pretende regulamentar o uso de provas digitais em processos judiciais, conceitua prova digital como toda informação armazenada ou transmitida em meio eletrônico que tenha valor probatório.

Imagine-se hipótese na qual uma das partes insira no corpo de sua petição inicial uma série de prints extraídos do aplicativo whatsapp. Tais elementos, a depender da forma como são juntados, podem ser imprestáveis como meio de prova.

A prova dos fatos pode se dar pelos meios tradicionais de prova ou pelos chamados meios de prova digitais. Fato é que, mensagens de textos enviadas por aplicativos e até mesmo e-mails, não podem ser provadas por simples “prints” acostados aos autos sem maiores cuidados.

Os requisitos de validade da prova digital são: autenticidade, integridade e preservação da cadeia de custódia. Nesse mesmo sentido também se manifesta autorizada doutrina:

Para a atribuição de força probante a documentos eletrônicos e outras informações extraídas de meios digitais, é fundamental avaliar o grau de segurança e de certeza que se pode ter, sobretudo quanto à sua autenticidade, que permite identificar a sua autoria, e à sua integridade, que permite garantir a inalterabilidade do seu conteúdo” (DIDIER JÚNIOR; Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de direito processual civil. Salvador: JusPodivm, 2020, p. 221-222). (gn)

— (DIDIER JÚNIOR; Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de direito processual civil. Salvador: JusPodivm, 2020, p. 221-222). (gn)

O uso de meros “prints” de supostos fatos ocorridos em ambiente virtual são extremamente frágeis como meio de prova, dada a facilidade de sua adulteração e manipulação, sem contar os aspectos ligados à intimidade e a privacidade dos demais envolvidos na conversa. Em outras palavras, a prova digital trazida aos autos, da forma como colocada no exemplo, será totalmente desprovida de confiabilidade e de segurança se não atendidos determinados requisitos, razão pela qual não possuirão aptidão para fazer prova dos fatos e das coisas nela representadas.

Vale registrar que existem diversos aplicativos que forjam mensagens de whatsapp, construindo diálogos ao bel prazer do usuário. Observe-se que não há certeza da sua origem, contexto ou autoria das conversas juntadas. Em um mero print, muitas vezes, sequer consta a identificação do número de telefone das pessoas envolvidas. Outrossim, não há certeza de que as informações/conteúdo se mantiveram inalteradas após a colheita da prova.

A propósito, o aplicativo whatsapp permite que o conteúdo dos “chats”, ou seja, das conversas, sejam exportadas em formato de arquivo de texto. Tais arquivos necessitam sempre ser acostados aos autos, sob pena de flagrante falta de zelo e cuidado da parte na produção da prova.

Com efeito, a parte precisa demonstrar que a colheita da prova digital observou as normas legais e técnicas sobre a observância da cadeia de custódia, entendida como o conjunto de todos os procedimentos utilizados para manter e documentar a história cronológica do vestígio coletado, para rastrear sua posse e manuseio a partir de seu reconhecimento até o descarte, conforme artigo 158-A do Código de Processo Penal, aplicável subsidiariamente à espécie, conforme artigo 769 da CLT.

Legenda

O registro da cadeia de custódia é um documento que identifica a cronologia da movimentação e manuseio da potencial evidência digital, conforme prevê a principal norma técnica sobre o tema, que é a ISO 27037. A observância das normas ISO/IEC 27037:2012 garante o registro adequado da cadeia de custódia e processos aplicados a potencial evidência digital e ajuda a garantir que não possa haver alegações de que ocorreu espoliação como resultado de adulteração por parte de alguma parte desconhecida. Isso é obtido por meio de registros rigorosos e completos de todos os processos aplicados a fim de produzir evidência digital a partir de uma fonte de evidência digital potencial.

A propósito, o artigo 5º do Projeto de Lei n.º 4939 de 2020, que pretende regulamentar o uso de provas judiciais, prevê expressamente que “a admissibilidade da prova nato-digital ou digitalizada na investigação e no processo exigirá a disponibilidade dos metadados e a descrição dos procedimentos de custódia e tratamento suficientes para a verificação da sua autenticidade e integridade”, o que não se verifica no caso concreto.

Importante reforçar que dois dos requisitos de validade da prova digital, quais sejam, autenticidade e integridade, estão expressamente previstos no artigo 195 do CPC para o registro de atos processuais eletrônicos e podem ser estendidos, seja por analogia, seja pela própria finalidade da prova, a todo e qualquer registro eletrônico que se pretenda utilizar com força probante no processo.

Se tais requisitos não forem observados, a parte contra a qual a prova foi produzida deve impugnar a autenticidade dos prints juntados, pois neles não há elementos que demonstrem com segurança sua origem, contexto ou autoria. Não há sequer garantia da identidade das pessoas envolvidas na conversa. Igualmente, a depender do caso concreto, deve também impugnar a integridade dos prints juntados, pois não há garantia de que as informações/conteúdo se mantiveram inalteradas após a colheita da prova.

Por fim, é preciso muito cuidado, na colheita de tais provas, para que não ocorra em violação aos direitos fundamentais de intimidade, privacidade e proteção de dados. Em se tratando de prova ilícita, é preciso requerer o desentranhamento dos autos de todos as provas ilícitas.