Publicado 7 jan 2022
Burn-out e OMS: o que há de novidade?
Burn-out

Recentemente, o “burn-out” tornou-se um dos assuntos mais comentados, não só entre os profissionais da área de saúde e da área jurídica, mas também nos tabloides de fofocas. Dois foram os motivos para tanto.

Em primeiro lugar, porque o “burn-out” foi oficialmente reconhecido pela Organização Mundial da Saúde como um fenômeno decorrente do trabalho, e não como uma condição pessoal médica do indivíduo. Em segundo lugar, em razão da fala do Princípe Harry na qual afirmou sofrer da síndrome em comento.

Este texto se propõe a responder duas perguntas: i) qual a consequência prática da inclusão do “burn-out” na classificação da OMS? ii) Será mesmo que o Príncipe Harry pode ter sido acometido por este mal que influencia negativamente seu estado de saúde?

Inicialmente, esclareça-se que o “burn-out”, agora incluído na CID-11, é definido pela OMS como “uma síndrome conceituada como resultante do estresse crônico no local de trabalho que não foi gerenciado com sucesso. É caracterizada por três dimensões: i) sentimentos de esgotamento ou exaustão de energia; ii) aumento da distância mental do trabalho, ou sentimentos de negativismo ou cinismo relacionados ao trabalho; iii) eficácia profissional reduzida”.

Do ponto de vista técnico, como se nota, trata-se de um fenômeno ocupacional, ou seja, relacionado ao trabalho. Refere-se, desse modo, especificamente a fenômeno que ocorre no contexto ocupacional e não deve ser aplicado para descrever experiências em outras áreas da vida[1].

Burn-out é um phrasal verb de origem inglesa e significa “queimar até o final e apagar”. A definição literal de “burnout” é esta: a redução de um combustível ou substância a nada, através do uso ou combustão. Contudo, dentre várias outras designações, a expressão é também utilizada para designar a situação na qual determinada pessoa se esgota mentalmente em razão de algum trabalho. Por isso, o fenômeno também é conhecido como síndrome do esgotamento profissional. Figurativamente, é como se a pessoa fosse sendo consumida até a exaustão total.

burn out é, assim, grave transtorno de tensão emocional crônica relacionada ao trabalho, em que o estresse chega às últimas consequências e leva o organismo a esgotamento por exaustão. Clinicamente o indivíduo torna-se improdutivo, sem compromisso, indiferente, desatencioso, frio emocionalmente e empobrecido em seus vínculos afetivos e laborais.

O tema torna-se ainda mais relevante nos contextos pandêmico e pós-pandêmico, nos quais houve nítida elevação do número de trabalhadores em teletrabalho, regime no qual há maior dificuldade de desconexão do trabalhador. Deverá o empregador se preocupar mais ainda com a manutenção do equilíbrio laborambiental no teletrabalho, pois nesta modalidade de trabalho há verdadeira “desestruturação das fronteiras do tempo e do espaço”, na feliz expressão de Domenico de Masi. É recomendável que seja estabelecida pelo empregador duração máxima de trabalho dentro da jornada, com o objetivo de resguardar o meio ambiente do trabalho e evitar doenças decorrentes do exercício da atividade laboral.

Outro ponto de preocupação diz respeito às mulheres. Estatísticas mostram que o estresse e o esgotamento profissional estão afetando amplamente mais mulheres que homens[2]. Com a pandemia de Covid-19 todos os fatores que já sobrecarregavam as mulheres foram intensificados, especialmente porque muitas viram suas responsabilidades domésticas aumentarem, tornando mais difícil a tarefa de equilibrar a vida privada com o trabalho.

No Brasil, o assunto não é novidade. O Ministério da Saúde, por meio da Portaria nº 1.339, de 18 de novembro de 1999, instituiu a Lista de Doenças Relacionadas ao Trabalho e incluiu a Sensação de Estar Acabado (Síndrome de Burnout ou Síndrome do Esgotamento Profissional) (Z73.0) nos transtornos mentais e do comportamento relacionados com o trabalho, tendo como agentes etiológicos ou fatores de risco de natureza ocupacional o Ritmo de trabalho penoso (CID10 Z56.3) e Outras dificuldades físicas e mentais relacionadas com o trabalho (CID10 Z56.6).

Igualmente, o Decreto nº 6.042/2007, que alterou o Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo Decreto no 3.048/1999, em seu anexo II que trata sobre agentes patogênicos causadores de doenças profissionais ou do trabalho, conforme previsto no art. 20 da Lei nº 8.213, de 1991, inseriu na lista B, a síndrome de Burn-out, no título sobre transtornos mentais e do comportamento relacionados com o trabalho (Grupo V da CID-10).

Pelos motivos acima, o Tribunal Superior do Trabalho já possuía, mesmo antes da nova posição da OMS, entendimento firme pelo qual é possível responsabilizar empresas por isso, desde que seja provado no processo o nexo de causalidade entre a situação do trabalhador e as condições ambientais de trabalho. Assim, se o mal que acomete o trabalhador não for decorrência do trabalho, de “burn-out” não se trata.

Na prática, com o “burn-out” agora oficialmente reconhecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como síndrome decorrente do trabalho e não como uma doença derivada de condições pessoais do trabalhador, reforça-se a responsabilidade e o dever do empregador em manter um ambiente de trabalho saudável, o que outrora já se afirmava.

Em termos pragmáticos implica também a obrigação de mapear essa enfermidade dentre os riscos do trabalho e adotar medidas efetivas para a sua eliminação, sempre de forma documentada. Mas a questão é como fazê-lo, se o novato PGR – Programa de Gestão de Riscos fala apenas no mapeamento de riscos físicos, químicos e biológicos (item 9.1.1, da NR 9, do MTE)?

A resposta se coloca em termos de vigilância em saúde ocupacional, o que se encontra a cargo aprioristicamente do SESMT – Serviço Especializado em Saúde e Medicina do Trabalho.

Com efeito, de acordo com o item 7.3.2, da NR 7, do MTE, o PCMSO – Programa de Controle Médico e Saúde Ocupacional – documento que espelha um planejamento de ações médicas no ambiente de trabalho, tem como diretrizes, dentre outras, “rastrear e detectar precocemente os agravos à saúde relacionados ao trabalho” e “detectar possíveis exposições excessivas a agentes nocivos ocupacionais”.

Assim, a partir das vigilâncias passiva (relatos dos trabalhadores que procuram o setor médico) e ativa (exames médicos e coleta de dados sobre sinais e sintomas) (item 7.3.2.1, da NR 7, do MTE), deve o médico do trabalho reportar à organização o agravamento desse risco ocupacional, retratando esse quadro, ainda, no relatório anual.

A partir dessa constatação, há que se mapear suas causas, a partir das quais será possível recomendar medidas de eliminação ou contemporização, geralmente envolvendo remodelamento estrutural, alteração na forma de gestão de pessoal, novas formas de organização do trabalho, estruturação de canais internos de resolução de conflitos, dentre outras medidas, que se revelem adequadas para o caso concreto.

Com as considerações acima, percebe-se que qualquer pessoa seja acometida pela síndrome, inclusive membros da realeza, desde que a condição possa estar inexoravelmente ligada às condições de trabalho. Na feliz expressão de Jennifer Moss, “burn-out”é sobre o ambiente de trabalho da empresa e não sobre os seus empregados.[3]

Referências

[1] World Health Organization. Burn-out an “occupational phenomenon”: International Classification of Diseases. Disponível em: <https://www.who.int/news/item/28-05-2019-burn-out-an-occupational-phenomenon-international-classification-of-diseases> Acesso em 15/02/2022.

[2] Disponível em: < https://www.bbc.com/portuguese/geral-58869558> Acesso em 21/02/2022.

[3] MOSS, Jennifer. Burnout Is About Your Workplace, Not Your People. In: Harvard Business Review. Disponível em: <https://hbr.org/2019/12/burnout-is-about-your-workplace-not-your-people>